Crianças de Ferias
Quando eu era criança as aulas terminavam nos primeiros dias de dezembro e até março a gente tinha férias.
Lembro de alguns colegas que falavam que iam acampar alguns dias ou para Piriapolis; as férias se reduziam a isso para os que eram de famílias pudendas e o resto das férias ao igual que qualquer criança menos favorecida economicamente passava em sua casa ou na de algum parente, fazendo o que??? : brincando!!!
Não havia computadores, nem tablets, nem celular (algumas casas tinham telefone de linha) e a TV no Uruguai era bem simples ou básica com 3 ou 4 canais de ar, e um deles era o Sodre, sendo que abriam ao meio dia.
Desenhos animados? Sim, muito poucos e com fala em inglês, sem subtítulos, alem de que era tudo preto e branco.
Então o que fazíamos as crianças?
Brincávamos o dia inteiro nas férias, de boneca, de carrinho, de bolinha de gude, de figurinhas, pião, Tejo, e outras coisas do estilo; às vezes aparecia algum álbum e a gente colecionava as figurinhas nele, e era toda uma vitoria comprar aqueles pacotinhos, abrir e colá-las.
Tinha também cantiga de roda com a correspondente coreografia, brincávamos de pegar, de esconde-esconde e os meninos jogavam bola no pátio ou no campinho do bairro.
A gente inventava brincadeiras com paus pequenos, rodas, galhos de árvore e outras coisas que pudéssemos achar.
Havia também longas conversas ao entardecer com algum dos avôs, nas quais eles contavam historias ou faziam adivinhações para nós.
As crianças naquela época estavam acostumadas a ter um acesso ilimitado ao seu mundo interno, ao mundo da própria fantasia, ao seu criador interior.
Hoje, as crianças precisam (acham os adultos) do estimulo externo para não se entediar nas férias; a moda da tecnologia foi sistematicamente instalando-se na vida das crianças e literalmente roubando o contato com o mundo criativo interno de cada uma delas.
Meus irmãos e meus amigos meninos ganhavam vez por outra no natal um forte de madeira com soldados e índios, e passavam horas a fio brincando e imaginando batalhas, assaltos, vitorias e estratégias para triunfar em um mundo hostil.
Depois vieram as pistas de carros e os trens, e a não ser a parte de montar as pistas ou os trilhos, de resto a brincadeira era somente ficar olhando aqueles brinquedos se deslizarem.
Esse foi um primeiro passo para o externo em detrimento da riqueza das invenções e criações internas.
E ainda que seja difícil de acreditar, mesmo não existindo a tecnologia em nossas vidas a gente não se entediava nas férias, ao contrario, as férias eram esperadas com ânsias para não ter que estudar e poder passar se divertindo, brincando e criando.
Hoje somos uma sociedade na qual as crianças não têm férias, elas precisam de “atividades” pagas e inventadas por outros para ganhar dinheiro, inventadas por adultos que oferecem um serviço muito caro aos pais que precisam trabalhar nas férias de seus filhos e não tem onde deixar as crianças porque elas não sabem o que fazer se falta o estimulo externo, não sabem o que fazer se não forem conduzidas no tempo fora da escola.
Ironicamente hoje os adultos sentem a necessidade de “encontrar a criança interior” e fazem cursos para isso, para poder entrar em contato com algo que perderam em sua infância: seu mundo interno, sua inesgotável fonte de criação. (Os que têm a sorte de perceber isso)
Estou sendo extremista? Será?
Os jovens estão perdidos, não sabem o que querem, não sabem do que gostam, não sabem nada de si mesmos, pois no momento que a criança deixou de ter férias, férias do mundo externo, férias para poder conectar-se consigo mesma, esses jovens começaram a serem gerados, jovens que serão adultos também perdidos e insatisfeitos, e daí o que resta è usar a tecnologia para esquecer.
È um vicio como qualquer outro! Sim, há mais informação, mas a maioria lê e esquece, porque falta a experiência de vida que respalda essa leitura.
Passamos horas no pc e ele nos consome a vida, sem falar nos joguinhos, uma fonte incrível de alienação que todo o mundo adora; e assim passam as horas, os dias, as semanas e os meses, e a vida real fica de fora.
O celular! Os grupos se juntam e passam mais enviando mensagens que conversando; e agora já estão ensinando a todos a nem sequer escrever as mensagens, mas sim enviar símbolos: “Hablà menos, line mas! (fale menos, line mais!)
E todo o mundo adora!
Todos querem encontrar alguém, um parceiro, namorado, namorada, marido, noivo, etc., mas se não há comunicação! Como isso vai acontecer? Não acontece!
As relações estão fadadas a terminar antes mesmo de começar porque não se conhece o outro antes de iniciá-la; e depois ninguém entende porque não funciona!
Voltamos às crianças, elas precisam de férias, mas de férias reais! O tempo ocioso, sem tecnologia, sem atividades dirigidas fatalmente nos leva ao mundo interno, tanto a elas como aos adultos e aos jovens.
Prova disso são os grupos que se formam à procura de soluções para suas insatisfações, para encontrar um caminho novo, para encontrar a si mesmos.
Tudo começa a dar errado (ainda que não seja percebido de imediato) quando a criança se perde de sua essência, e cabe aos pais encontrar, criar uma forma de que isso não aconteça, propiciando o tempo necessário para que ela redescubra seu mundo interior!
Isso è simples de fazer: dê férias reais aos seus filhos!
Imagens: meninobrinquedos – Moises.on – AveLardo – M. MartinVicente
Olá Grande Mãe Debora, é com enorme alegria que acesso seu blog e amo ler seus posts, tudo que você escreve têm vida nas palavras, acredite. Quanto ao texto acima contando como era a infância de alguns anos atrás,é fato, a mais pura verdade. As crianças das décadas passadas não tinham toda a tecnologia e os brinquedos superpoderosos de hoje em dia mas eram muito mais saudáveis, as brincadeiras eram bem melhores eram ao ar livre, as crianças se conheciam, todos sabiam os nomes uns dos outros e frequentavam umas as casas das outras, os desenhos na TV eram inocentes tipo “A Feiticeira”, “jeanne é um Gênio”, etc. Tempos que ficaram para trás…
Bjs e que a Deusa te abençoe sempre, sempre, sempre, sempre, sempre……..